A Casa da Árvore
>> sábado, janeiro 13, 2007
O livro "A Casa Da Árvore" de Margarida Botelho, que já deu origem a um projecto interessante, conta a história de 2 irmãos gémeos, de nome Miguel e Gabriel, que eram mais diferentes do que poderíamos ser levados a pensar.
Miguel era ligado à terra, gostava do chão seguro, de buracos, de minhocas e formigas. Gabriel (não por acaso nome de Arcanjo) era totalmente aéreo, sonhava ser pássaro e só pensava em alturas e no azul do céu.
Tinham uma irmã mais velha, que um dia sugeriu a construção de uma casa na árvore. Imaginem o pânico de Miguel, para quem a altura de uma mesa já era uma vertigem; e a excitação de Gabriel, que sonhava acordado com a textura das nuvens.
Não vou contar aqui toda a história, até porque a Margarida pode processar-me, mas posso dizer que Miguel acabou por vencer o medo e todos viveram momentos muito felizes lá no alto.
Agora perguntam os meus incrédulos leitores:
- Onde é que este gajo quer chegar? Será que bateu com a cabeça nalgum lado ou isto de ter 2 filhos pequenos já lhe fundiu os fusíveis todos?
Porque é que este livro me chamou tanto a atenção? Antes de mais porque a história e as ilustrações são muito engraçadas e calculei que a Madalena (viciada em livros como nenhuma outra criança da mesma idade que eu conheça) o ia apreciar. Mas depois porque toda a história remete para o universo da arquitectura, havendo uma tensão curiosa entre duas formas distintas de habitar que me deixou a cabeça em reflexão.
Chegamos mesmo a ver o projecto da Casa da Árvore, feito em Manual CAD :-)
Um dos irmãos deseja muito uma casa na árvore porque é lá que se sente bem, o outro – exactamente no pólo oposto – treme só de pensar em ter que subir lá para cima. Esta diferença entre formas de habitar é uma questão fracturante na arquitectura. Julgo que os arquitectos tendem a projectar edifícios que se aproximam da sua forma de habitar ou ocupar. Lembro-me de ouvir Manuel Graça Dias falar deste assunto e sempre me fez alguma confusão que haja quem se sinta mais confortável num andar no centro de Lisboa do que numa moradia no campo, mas a verdade é que não há certo e errado nesta matéria.
Quem leia o Arrumário há algum tempo já sabe que o meu gosto em habitação anda muito próximo de uma casa na árvore. Gosto de casas com vários andares, com escadas ou rampas, com terraços altos como ameias de castelos, com vãos abundantes por onde entre a luz do dia e por onde saia o olhar, para se espraiar no horizonte, se possível com muito verde, muito céu e algum mar. Comentei mais do que uma vez o pouco que me identifico com alguns projectos actuais, onde os vãos dão para muros ou pátios interiores, ou onde as casas de banho não têm janelas. Penso agora que talvez haja muita gente que se identifique com o mano Miguel da história, preferindo os espaços fechados, térreos, talvez mais seguros e protegidos. Deve realmente haver quem prefira o recolhimento e a penumbra contra a exposição e a luz. Aceito agora que estão no seu direito.
Uns dias antes de ler esta história, falava com uma colega de escritório sobre as diferenças entre a casa dela e a minha. Quando lhe disse que o local onde tomo duche diariamente tem janela para rua e que qualquer pessoa me pode ver lavar a cabeça, ela ficou horrorizada. Não é que eu tenha alguma tendência exibicionista, até porque essa pequena janela não permite vislumbrar abaixo da altura dos ombros, mas a verdade é que hoje ser-me-ia muito difícil tomar duche num espaço de onde não avistasse a rua. Esse contacto permanente com o exterior é vital para mim. No entanto aceito melhor agora que haja quem prefira outras opções. Este é talvez um dos maiores dramas da arquitectura, conseguir conciliar a vivência do arquitecto com as expectativas do cliente.
Na história da Margarida o irmão Miguel acaba por se convencer a subir à casa da árvore e finalmente sente-se lá tão bem quanto Gabriel. Confesso que isso me agradou mais do que me agradaria o contrário.
PS: acabo de descobrir que a Margarida Botelho é, na verdade, licenciada em arquitectura. Pelo que presumo do livro, talvez me identificasse com os seus projectos.
ZM
6 comments:
Como gostou do livro vou sugerir que conheça outro dos projectos da Margarida em
http://osmesesde2007.blogspot.com/
Atenciosamente
Rita Banza
ainda vais ser arquitecto!!! se não o fizeres ainda hei-de projectar ctg ;)
abraço
Sempre atento a estas questões ...
são interessantes as questões que coloca. fugindo algo ao tema, eu, quando vejo certos prédios (muito mais do que casas) penso tantas vezes que foram concebidos num atelier sem que o arquitecto tenha ido ver o local de implantação porque senão porque iría ele projectar varandas viradas a norte para acabarem transformadas em marquises horrorosas sem qualquer utilidade?! Creio que a maior parte das vezes não foram arquitectos que projectaram aqueles monstros...
Mas comentando, creio que a diferença entre as formas de habitar dos arquitectos que concebem e a dos moradores finais, existirá sempre óbviamente porque não se consegue agradar a gregos e a troianos!
Mas há sempre a possibilidade de estudar, em alguma medida, quem poderão ser os futuros habitantes do imóvel.
Há sempre a hipótese de se traçar um perfil genérico baseado em vários parâmetros como a localização, o que ela oferece e previlegia e quem procura e valoriza essas caracteristicas, preço final que determinará o segmento que poderá "lá chegar", etc.
A antropologia social e cultural de hoje pode dar grandes achegas a este tema (eu, licenciada em antropologia ; )
O livro parece ser muito giro, como não estamos muito longe do Natal, ou se preferires para o meu aniversàrio, jà sabes ! Pois eu, como a tua filha, sou louca pour livros ! Deve estar nos nossos genes !!!
Mil beijocas.
PS : lembraste das nossas casas nas àrvores ? naquele enorme eucalipto que era preciso pelo menos 10 de nos de mãos dadas para lhe dar a volta ?
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