T. de Lempicka
>> domingo, novembro 27, 2005
No Sábado passado decidimos ir finalmente ver o tão falado T. de Lempicka a Tomar, como fez o Azenhas há tempos. Aproveitámos o pretexto para fazer um calmo passeio até Tomar.
A primeira paragem foi em Santarém, onde visitámos as famosas Portas do Sol, que nos dão esta vista magnífica sobre o Tejo.
No mesmo local fomos brindados com esta medalha de ouro das cores Outonais.
Um pouco adiante fomos dar uma vista de olhos ao Castelo de Almourol. A distância da margem direita do rio à ilha parece-me cada vez mais estreita. Não sei se é aquele fenómeno que aumenta tudo o que temos na memória face à realidade actual ou se é mesmo a erosão e a construção de estruturas que está a sufocar o braço direito do rio naquele local. Actualmente não percebo porque é que não se constroi uma pequena ponte de acesso à ilha. Não teria que ser maior do que a que liga a Torre de Belém a terra, na foz do mesmo rio (como podem constatar na imagem).
Ainda antes de chegarmos a Tomar decidimos passar em Constância, para provarmos os tão falados Queijos do Céu. O sítio onde os comprámos era gerido por mal-encarados, mas de facto os Queijos são uma delícia.
Chegados a Tomar, fomos ao Convento saber quando poderíamos recolher os bilhetes que tínhamos reservado no site do Fatias de Cá. Como faltava algum tempo para se iniciar o Arrivo, fomos até ao largo da igreja, que é sempre agradável de visitar.
Quando chegámos de novo ao Convento de Cristo, já o Arrivo estava quase no final. Fomos o penúltimo casal a receber o passaporte. Este é entregue individualmente a cada pessoa, depois de uma breve explicação das regras para assistir à peça, que de resto estão escritas no passaporte que somos aconselhados a ler com atenção. A entrega é feita com a pessoa sentada frente a uma senhora com um certo ar inquisitivo. Começa-se aqui a entrar no ambiente da peça.
Depois seguimos o mordomo Dante Fenzo, que nos leva à presença do Aldo Finzi, um camisa negra com ar de quem nos vai comer ao pequeno-almoço, que terá que nos carimbar o passaporte para sermos admitidos no Il Vitorialle, onde decorre a acção. Finzi, é verdadeiramente atemorizador. Carimba os passaporte como que mata coelhos e quando se dirige a alguém é com um vozeirão capaz de fazer tremer o mais audaz. Quando chegamos à sua presença, depois de muito tempo na fila, somos encandeados com uma luz amarela e ficamos à espera que a sua arbitrariedade nos atinja... ou não. A minha mulher levou um imenso raspanete por ter assinado o passaporte, mas a mim não ligou nenhuma e eu tinha feito o mesmo. De resto gabo-lhe o gosto. Se fosse eu também me metia com ela :-)
Passada esta prova estamos todos finalmente na mesma sala e a peça começa sem darmos por isso.
Estamos no Il Vitorialle, o palácio de Gabriele d'Annunzio, no dia 10 de Janeiro de 1927. Tamara de Lempicka é uma expatriada polaca, aristocrata e pintora, convidada por d'Annunzio para lhe pintar um retrato. Cedo descobre que o que ele quer não é bem isso.
Logo no início somos separados em quatro grupos. Cada grupo segue uma personagem. A forma como assistimos a esta peça é surpreendente. Quem vá ver a T. de Lempicka a pensar que vai fazer uma visita nocturna ao Convento de Cristo pode tirar daí a ideia. Ao fim de pouco tempo estamos de tal forma envolvidos que nos esquecemos por completo de onde estamos e passamos a sentir-nos verdadeiramente no Il Vitorialle.
As pessoas que vão juntas têm toda a vantagem em se separarem assim que for possível, passando a seguir personagens diferentes. Têm deste modo duas visões da história. Como as coisas estão a acontecer independentemente de estarmos lá ou não, ficamos com a sensação realista de estarmos mesmo a seguir um dos intervenientes de uma história que está mesmo a acontecer. Isso torna-se inebriante. Sabemos que temos que seguir uma personagem (ou várias ao longo da peça, se assim o entendermos), mas por vezes levamos literalmente com a porta na cara e temos que ficar onde estávamos, perdendo essa personagem.
Torna-se necessário tomar decisões. Ou esperamos que a personagem que seguiamos volte a entrar naquela sala ou seguimos outra, na esperança de voltarmos a cruzar-nos com a inicial e retomarmos aquele fio da narrativa.
À hora do jantar, toda a gente fala com toda a gente contando pormenores que só alguns viram. Somos verdadeiros espiões a tentar deslindar quem é quem e quais as suas reais motivações. Não vou adiantar pormenores porque estragaria o gozo de futuros visitantes desta aventura.
A cena final é tão real que, quando dei por isso, já tinha perdido de vista o meu personagem. De resto toda a gente ficou congelada com a tensão da cena e, quando as luzes se apagaram, percebemos que já muitos tinhamos perdido a personagem e estávamos no fim da peça. A tensão explodiu num merecido e intenso aplauso, que a mim, para variar, me arrancou algumas lágrimas de emoção.
No final aínda temos direito a uma fatia de Tomar (deliciosa por sinal) e outra sobremesa de chocolate, bem como mais um cálice de Porto. Finalmente os actores vão entrando, já despidos da personagem. Cada um teve direito aos seus aplausos e deu para perceber que toda a gente estava muito agradada com a experiência que tinhamos acabado de partilhar.
Algumas notas finais:
1 - O preço total é 25 Euros. Considerando o aperitivo, o jantar e a sobremesa final, digamos que a peça é de borla.
2 - Há personagens que se movem muito durante a peça e outras que quase não saem do mesmo local. Quem pretenda subir e descer muitas escadas e estar sempre a saltar de um lado para o outro, deverá seguir um dos criados ou o tenebroso Finzi dos carimbos. Quem preferir um pouco mais de calma deverá optar pelo Spiga ou pelo d'Annunzio.
3 - Vão em grupo e separem-se logo na primeira sala. Assim que começar a peça afastem-se uns dos outros. Desta forma, quando os grupos forem feitos já estarão separados. Acabarão por se cruzar inúmeras vezes ao longo da peça e isso é muito divertido. Entrarão em salas onde já está alguém do grupo e trocarão breves informações.
4 - Tentem seguir sempre a mesma personagem, embora isso por vezes seja impossível porque nos fecham a porta. Nessas alturas tomem uma decisão e voltarão a encontrar a vossa personagem rapidamente.
5 - Informações e reservas no site do Fatias de Cá.
Passem por lá e divirtam-se tanto quanto eu me diverti.
ZM
3 comments:
parece-me uma experiencia divertida e uma forma de teatro bem original !
Ora ainda bem que coisas dessas acontecem por ai ...
Almorol visitei hà uns anos e também achei como tu que tinha minguado ! E a voltinha de barco é so para ir dando uma subvenção a esse "passador" que quase se pode atravessar a pé !
eu já fui e recomendo vivamente.
Em Almoroul há três razões para que não se faça uma ponte: tirava o emprego ao barqueiro; em dias de muita chuva o caudal aumenta desmesuradamente o que fazia com que a ponte tivese que ser muito alta e muito inestética; tirava o pitoresco que é a travessia no barquinho.
Também já vi uma peça dos Fatias de Cá precisamente no terreiro que fica do lado de cá do Castelo de Almoroul. Chama-se "Viriato".
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