A espera do fotógrafo
>> sábado, maio 29, 2010
Uma das principais diferenças de ter um filho aqui em Angra, relativamente aos outros dois que tive em Lisboa, está no papel que deixam o pai desempenhar.
Aqui, o pai não serve para mais do que fazer o filho e levar a mulher ao hospital. Depois, deverá ir dormir para o carro ou calmamente para casa, que logo o avisam quando a criança nascer.
Como devem imaginar, não me apetecia nada representar o papel que me estava reservado.
A mãe entrou na maternidade às 3:00h da manhã, mas eu fiquei no corredor, acompanhado como documentam as fotos abaixo.
Bem sei que não são estas as fotos que alguns dos meus leitores queriam ver neste momento, mas eu sinto-me ultrajado nos meus direitos de pai e apetece-me desabafar.
Não tive outro remédio senão ir para casa quando percebi que a dilatação ainda iria demorar umas horas. Às 9:00h da manhã estava de volta ao mesmo corredor e fiz saber que lá ficaria até que me chamassem para partilhar com a minha mulher o processo todo do parto.
Parece que lhe disseram que eu não queria arredar pé e acabaram por ser bastante tolerantes e simpáticas, deixando-me ir quebrando "as normas". Tive a impressão (poderei estar enganado) de que fui o único pai a assistir ao parto naquele dia. Posso dizer que foi o parto mais difícil que fiz, porque a mãe não quis epidural (da última vez a coisa não tinha corrido bem). Posso ainda dizer que a mãe foi uma verdadeira heroína e que me honra muito ter tido o privilégio de ser o pai dos seus três filhos. Percebi que a coisa, desta vez, doeu um bocado, mas ela aguentou estoicamente e eu quero crer que a minha presença foi determinante para ela.
Aqui fica também uma homenagem fotográfica à personagem deste dia:
Fala-se muito por cá da questão da violência doméstica. Eu acho que é todo o papel da mulher que está muito pouco valorizado e que é daí que vem o mal. A forma como o pai é posto fora da maternidade não contribui um cêntimo para alterar este contexto. Penso que este tipo de mudança social tem que ser conduzido de cima para baixo (top down) e o hospital tem um peso muito importante nessa acção. Percebo que num local onde poucos pais me parecem interessados em ser mais que condutores do carro que leva a mãe à maternidade, o hospital não esteja preparado para os "modernos", mas o contrário também é verdade: num hospital que não facilita, não me parece que o número de pais interessados em participar vá aumentar. É uma pescadinha de rabo na boca.
Sabem quanto tempo tem o pai para visitar o seu filho? Dois períodos por dia: das 15:00h às 16:00h e das 18:30h às 19:00h. Como querem que o pai se envolva nestes primeiros dias e nos cuidados da criança? É impossível dar-lhe banho ou mudar-lhe uma fralda com uma visita de hora e meia por dia. Sendo o meu terceiro (e supostamente último) filho, apetecia-me mais do que nunca poder gozar estes dias iniciais da sua vida, mas isso aqui está-me totalmente vedado. Sinto-me verdadeiramente prisioneiro de costumes que considero totalmente anacrónicos.
Não podia deixar de dizer isto aqui.
Uma última foto, que é a vista do quarto onde eles estão neste momento, como se estivessem na cela de uma prisão.
PS: já tenho mais uma carrada de fotos, que partilharei mais logo.
11 comments:
Parabens Zé por mais um herdeiro e por tudo ter corrido bem malgrè tout...
Joao Ciclone
Parabéns ao Simão, levarei comigo algumas frases para citar.
Como te compreendo Zé. Quando a Leonor nasceu passei pelos mesmos momentos, no mesmo hospital. À medida que ia lendo este post encontrei muitos pontos em comum com a tua experiência.
Abraço.
Realmente, que vida essa ai !
Mais uma vez parabéns !
E continua as fotos, que gostei das primeiras !
Que atraso de vida e ainda os continentais se queixam.
Para se mudar mentalidades demora séculos...mas marcai a diferença, porque a meu ver se não apresentarem a vossa opinião ao Ministério da Saúde nada mudará.
Pois é mesmo "retrogado" !
Como pode ser que o pai não possa entrar e sair quando quer ??? Uma maternidade não é uma prisão !
Aqui em França até podes ficar a dormir no mesmo quarto que a tua mulher ! e assistir a todo o trabalho de parto e ao nascimento (salvo se uma cesariana se apresenta)
Tens razão em dizer que os primeiros momentos são primordiais para criar laços !
Assim que toda a familia estiver de volta a casa logo se resseram !
Parabéns mais uma vez e mil beijinhos cheios de saudades !
Parabéns para ti e para o resto da família.
Como te compreendo, a mim não me passaria pela cabeça não estar 24 horas junto à minha mulher e ao meu filho nestes dias tão importantes e felizes, o que felizmente aconteceu.
Não consigo perceber a falta de humanismo nos hospitais, pois o que estão ali a fazer tem tudo a ver com humanismo, mas normalmente esquecem-se de algumas partes.
Mas também a qualidade arquitectónica do edifício não ajuda, pois para mim a qualidade dos edifícios onde fazemos as nossas actividades também ajudam aso serviços prestados, etc...
Parabéns e abraços
Pedro Caldeira
a foto das traseiras do hospital parece a de um anexo de Caxias... que arrepio!
com o panorama da oferta educativa e hospitalar assim, exemplos no meio de tantos outros (alguns melhores seguramente), falam em descentralizar... eu admiro quem faz a vossa opção e vai para tão longe da capital, eu não creio tivesse coragem
uppsss, o que devía ter dito 1º: PARABÉNS!
Zé Maria,
um bom conjunto de fotos de bom preto&branco.
Apesar de não ser pai reconheço validade nas tuas queixas que deixam transparecer um atraso nas mentalidades de quem gere um hospital moderno. Sinceramente se o pai tem a certeza que tem capacidades para assistir ao parto o hospital deve-lhe dar o acesso necessário para que o possa fazer.
Mas terminou tudo bem e isso, para já, é o que interessa, sobre o resto reflectimos depois.
Um abraço,
mário
Mário,
Obrigado pela tua apreciação das fotos. Ando sempre de máquina às costas e não podia deixar de aproveitar a oportunidade.
Um abraço.
ZM
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