Janelas
>> sexta-feira, maio 20, 2005
Já que falamos de janelas, vou-vos contar uma história.
Toda a minha infância foi passada numa casa enorme, na periferia de Lisboa, cuja sala tinha uma espécie de janela sacada, com 3 janelões gigantescos. Essa janela era como um ecrã de cinema sobre a cidade de Lisboa e Monsanto. Tínhamos de lá uma vista como se dominássemos tudo. Víamos até o Cristo Rei (enquanto não encheram o horizonte longínquo com prédios). Era uma janela muito alta devido ao desnível existente entre a rua de entrada da casa e a sua oposta ("a rua de baixo"), além do que era perfeitamente virada a Sul. O primeiro plano da paisagem era a maior buganvília que vi na vida.
No Verão estas janelas estavam sempre abertas. Tinham uns daqueles estores à Sevilhana, de ripinhas de madeira, que se abriam para a frente, fazendo um toldo de sombra sem nos tirar a vista e o ar. Quando, no final da Primavera, a buganvília explodia numa mancha roxa, parecia entrar-nos dentro de casa.
Nessa altura, voltavam as andorinhas e invadiam-nos o telhado esvoaçando às dezenas por todo o nosso campo de visão. Os seus guinchos infantis preenchiam o espaço sonoro. As suas elegantes silhuetas pretas cortavam a jacto o azul intenso do céu, sem nunca se entrechocarem, coisa que me deixava fascinado.
Um dia levei lá a casa um amigo francês que ficou encantado com aquela janela. Disse que fazia parte da minha herança genética, que eu podia dar todas as voltas do mundo, mas nunca me esqueceria dela e do que de lá se via e ouvia. Na altura achei aquilo meio Zandinga...
Ontem, ao final do dia, atravessei um local cheio de andorinhas. De repente aqueles guinchos dispararam esta memória. De repente tive uma imensa nostalgia daquela janela da minha infância. De repente lembrei-me do piar agudo e brincalhão das andorinhas por sobre uma buganvília que transpirava cor. De repente lembrei-me do azul do céu à tardinha, quando nos juntávamos à janela (e éramos muitos) a brincar ao "onde é que está".
O meu amigo Eric sabia do que falava quando fez aquela previsão.
Sei que hão-de passar por aqui os únicos que entenderão em toda a profundidade o que acabo de descrever: os meus irmãos.
Hoje é a eles que dedico estas linhas.
ZM
7 comments:
Um post lamechas...
Sei que as linhas não eram propriamente para mim. Sinto-me inclusive a pisar a ténue linha que divide a esfera pública da privada. Mas ao entrar nestas tuas memórias pessoais não consegui deixar de sentir aquela nostalgia boa que nos arranca um meio-sorriso com humidade nos olhos (gente feliz com lágrimas!.
A escrita tem destas coisas, adoça e emociona até as frias e brancas janelas electrónicas que nos ligam ao mundo.
Tens razão, provavelmente seremos os únicos que poderemos entender, em toda a profundidade, o que acabas de descrever. e que fantástico foi relembrar a janela, a rua de baixo, o azul do céu, o Cristo Rei, as andorinhas, a buganvília... meu Deus, que saudade. Obg pelas recordações. Um beijo azul
Lemechas? Porquê?
Desculpem. Foi um engano, deveria ter escrito comentário lamechas e não post. Assim induzi em erro toda a gente. Na verdade achei o post extremamente bonito e tocante, tanto que resolvi fazer um comentário lamechas, porque na verdade me senti lamechas, comovida, nostálgica.
E não tenho nada contra as coisas lamechas...
susana
Eu estou sempre a lembrar-me da minha infância. Cada vêz que vou a Portugal gosto de passar na rua onde moràvamos para me relembrar de tudo, mesmo se a nossa casa amarela està completamente "massacrée" !
Gostei muito da tua descrição que acabei de lêr com làgrimas nos olhos !
Beijinhos de uma das manas que està longe !
oh zm isso agora é que foi!
la tocas-te na corda sensivel da tua mana!eu também tenho essas visões de verões escaldantes à janela tarde, tarde na noite. E sempre em larga companhia.
onde andarão alguns?
em todo o caso é porque tenho essas recordações boas que posso "sobreviver" cà tão longe da nossa terra! e é por isso que nao posso ficar longe muito tempo...Quando voltarei?
merci obrigado!
Chego tarde à conversa, mas já agora lembra-te que havia uma família inteira que olhava através dessa janela. Não ponhas ninguém de fora!
O resto das recordações ficam por aqui.
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