Referencial musical
>> sexta-feira, agosto 06, 2010
Eu adoro música. Esta era da digitalização trouxe aos ouvintes o infinito na ponta do rato, mas às bandas uma grande dor de cabeça, porque praticamente não devem vender CD's. Eu compro aquilo que me apaixona, mas oiço muita coisa que não compro. Sempre que um determinado CD me desperta a atenção, vou "buscá-lo" e oiço-o. Se me apaixona, acabo por comprar, mas 95% do que oiço, não compro. Vivemos um tempo em que podemos ouvir tudo o que quisermos, tornando-se quase um vício ir saltando de referência em referência, em busca de algo que nos volte a encantar, porque muita coisa é superficial e (pelo menos para mim) não tem qualquer efeito em profundidade.
Quando digo que uma determinada banda ou CD me apaixona é mesmo isso que quero dizer. Em determinados momentos, ouvir algumas músicas tem em mim um efeito que eu prefiro não descrever. Mas isso vai sendo cada vez mais raro, pelo menos com novas bandas. Deve ser isso que se chama envelhecer :-)
Contudo, há duas bandas às quais me mantenho fiel e às quais retorno sempre, ciclicamente, e que nunca pararam de me fazer erupções dentro da caixinha dos humores: Dead Can Dance e Swans.
Os primeiros são o feminino, a criação, a luz, o mistério, a salvação, o vento, a magia (se é que isto faz sentido tudo junto); os segundos são as trevas, o masculino, o interior escuro e húmido da terra, as caldeiras do inferno, a força feroz da natureza, o rugir dos vulcões e das trovoadas. E eu preciso de ambas, como do ar que respiro.
Hoje estou Swans e nem sempre é fácil manter a convivência com as pessoas comuns quando nos apetece ser atropelado por esta torrente sonora.
Uns fazem-me voar como os pássaros, sob o efeito de uma misteriosa magia, os outros fazem-me fundear na baía do medo e revolvem-me as entranhas. Preciso dos dois para me equilibrar.
Uma sugestão para a fase Swans: o duplo CD Various Failures, cuja referência encontram por exemplo aqui.
Há um aspecto em que me sinto sozinho no mundo: nunca conheci ninguém cujo referencial fosse este. É a minha impressão digital musical e já perdi a esperança de encontrar quem oiça o mundo com os mesmos ouvidos que eu.
Desculpem a seca, mas hoje deu-me para aqui.
ZM
4 comments:
Zé,
Identifiquei-me com este texto ao ponto de sentir que o tinha escrito. Desculpa o abuso.
Além de concordar - até porque é a realidade - com o estado que descreves relativamente ao mercado musical, envolto na tecnologia, para o bem e para o mal, penso que compreendo o que significa a tua frase "ouvir algumas músicas tem em mim um efeito que eu prefiro não descrever".
Simplesmente existem músicas que provocam arrepios, já o faziam antes e continuam a provocar após alguns anos. Dois nomes que têm o dom de me levarem a mundos onde apenas a música tem o privilégio de levar, são os The The, com os seus álbuns Mind Bomb e Dusk (entre todos os outros, mas essencialmente estes), e o grande músico e compositor Lenine, do qual recomendo (entre os restantes, pois claro) o álbum Olho de Peixe. Um luxo!
Abraço!
- mb
não estás sozinho...
eu tenho uma colecção extensa em vinil de Swans e dos Skin (Gira + Jarboe) bem como duas ou três coisas da Lydia Lunch. Swans dos primórdios é uma torrente avassaladora de som e opressão, as letras são sufocantes, claustrofóbicas e exprimem um lado negro brutalmente violento da cabeça do Gira. dito isto são uma das referência da "no wave" nova-iorquina. boa escolha!
(neste momento ouço Virgin Prunes)
Mário,
Gostei de saber que temos mais este aspecto em comum :-)
Um abraço.
ZM
Excelente postal, ZM.
um abraço
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