Vidro em excesso...
>> terça-feira, setembro 18, 2007
Manuel Vicente, o novo bastonário da ordem dos arquitectos, terá dito algo semelhante a:
“Não quero é estar dentro de casa como se estivesse lá fora, como se o meu ideal de habitar fosse uma grande gaiola de vidro.”
“Tenho uns amigos que moram para os lados do Restelo; chega-se, pára-se o carro e vê-se o que se vê do Alto do Restelo. Depois entra-se em casa e quando se sobe as escadas tem-se outra vez o Alto do Restelo todo dentro da casa: na sala, na cozinha, na casa de banho, no quarto. Lembro-me que a primeira vez que lá fui, a primeira coisa que fiz, (mas espontaneamente, não foi para ser original), foi sentar-me de costas para a janela! Agora imagine-se que a casa tinha umas janelas quaisquer, do século XVIII, estreitinhas, com os tais panos a esvoaçar: depois de ter subido as escadas, ia às janelas para ver como se via o Restelo daquela casa! Porque, então, já seria uma vista do Restelo escolhida, seleccionada, orquestrada...”
Estas declarações foram publicadas no fórum de arquitectura e até podem não ser reais, mas o que interessa é o conteúdo.
Confesso que, no panorama actual da arquitectura moderna Portuguesa, cada vez me identifico mais com esta ideia.
A polémica das paredes de vidro de Mies Van Der Rohe aconteceu há cerca de 60 anos, mas talvez ainda não tenha cá chegado.
Há inúmeros exemplos de projectos recentes, de arquitectos portugueses, que utilizam paredes inteiras de vidro.
As paredes de uma casa servem para manter o calor lá dentro e a chuva fora, mas deixando sair a humidade. Os vãos servem para quatro funções: deixar entrar luz do dia, permitir que o sol aqueça determinadas áreas, arejar a casa (quando abertas) e trazer para dentro a vista do exterior. Paredes inteiras em vidro cumprem mal a função de paredes (uma vez que não acumulam calor, têm demasiado ganho solar durante o dia e demasiada perda térmica durante a noite) e também mal a função de vãos ou janelas. Em muitos projectos estas paredes têm dimensões tão exageradas que nem se podem abrir e dificilmente um ocupante desses espaços evitará grandes cortinas e ar condicionado.
É muito agradável ter vista para o exterior e ter muita luz natural, mas gigantescos panos de vidro no lugar das paredes tornam a casa simultaneamente demasiado nua e demasiado fechada. Nua porque os seus habitantes não têm como se defender de luz e vista não desejados e fechada porque não permitem arejamento nem "respiração".
Eu sou adepto de grandes vãos e vistas para o exterior, mas uma janela só existe se houver uma parede. A vista só existe se for enquadrada. Por vezes, como refere Siza, precisamos de penumbra e recolhimento.
Aqui ficam 2 exemplos de projectos recentes de arquitectos portugueses, no tão acarinhado Bom Sucesso. Alcino Soutinho e Álvaro Leite Siza Vieira, respectivamente.
PS: o Arrumário está de férias (como eventualmente se tem notado). Votaremos com entradas mais regulares a partir de 1 de Outubro.
ZM
13 comments:
É, realmente, vidro demais para o meu gosto. No entanto, e deixando os prós e os contras de lado - arquitectonicamente falando - sempre há os que se querem sentir dentro duma montra. Lá passará alguém e dirá para os seus botões: "a roupita está bonita e bem talhada, o mamarracho do manequim é que destoa" ....
Continuação de boas férias para todos.
Concordo contigo... ainda estamos num clima mediterrânico demasiado solarengo para paredes de vidro!
Boas férias.
concordo!!
eu gosto de exposição solar, mas assim é demasiado...
sobre isolamentos e vantagens de uns materiais frente a outros não sei, por isso acato e não comento; sobre a rua dentro de casa e a super exposição de quem está dentro aos de fora... eu sempre lhes chamei «aquários»; particularmente não gostaría de viver numa montra.
o que sinto é que está bem explicado qdo. referiram que "falta o enquadramento para a boa vista exterior";
os exageros cansam e a muito «boa vista» sempre dentro do espaço cotidiano perde o valor.
A foto do 1º exemplo é um perfeito horror: a sala apenas tem uma parede, tudo o resto é reflexo e relva!!!!
Eu também acho que a primeira parece mesmo um aquàrio ! e a segunda montras de lojas.
E outra coisa, com tais paredes, onde é que ponho o lindissimo armàrio "normand" da grand-mère ?!?
Boas Férias ! Espero que por ai o tempo ainda esteja solarengo, que por aqui é o outono que se mostra !...
Conhecendo o MV, duvido que ele vá sequer à janela seja do sec.XVIII ou XXI e deve sentar-se sempre de costas para ela... Contudo o texto é acutilante e aconselho toda a gente a ouvi-lo falar: imenso espírito e sempre brilhante!
Pois então boas férias e até breve !
óptimo post e felizes comentários. Eu até gosto que o MV se sente de costas para a janela, para poder ouvi-lo a falar. É seguramente melhor do que a vista.
Boas férias.
"uma janela só existe se houver uma parede" - Adorei!
BJss e boas férias
caros arquitectos existem vidros que se portam melhor do que muitas paredes a nível termico....$$
a vossa formação deveria incidir mais na vertente tecnica dos materias e na funcionalidade dos edificios, para não serem sempre os mesmos a vos ensinar qualquer coisa..., onde é k já se viu uma igreja sem guardas numa plataforma de acesso, ou uma habitaçao com paredes em betão que não respeita o mais básico dos regulamentos de termica, não se esqueçam que os regulamentos são para ser cumpridos por todos os tecnicos, fazer habitaçao não é só fazer arte é fazer utilidade, se não for confortável habitar a arte não vale de nada.... para isso existem as belas artes não servem para nada mas são arte.... servem a mente... a habitação serve tudo a mente e a necessidade humana.... o Grande Edgar Cardoso é um dos exemplos da perfeita harmonia entre a arte e a estetica da forma... a malhoe forma de aprender é a utilizar......
Nao tendo o curso de arquitectura quase nenhuma formação técnica específica nesta matéria, posso certamente afirmar que os arquitectos são uns burros.
Até concordo com algumas coisas, mas com paredes, não se vê o tempo Passar. Não tem outono, inverno, verão, primavera, é sempre a mesma coisa
No meu texto estão referidas várias vezes que gosto de vãos, e até gosto deles generosos. Através dos vãos vê passar todas as estações. Até pode ver passar os apeadeiros.
Este texto tem quase 10 anos, curiosamente.
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