Diário da aventura Holandesa - Ep. 1
>> domingo, outubro 31, 2021
Por falta de oportunidades de trabalho que me remunerassem o que eu preciso para sustentar a família, e estando numa situação financeira já muito degradada, a acumular dívidas, aceitei um desafio de vir trabalhar para a Holanda, agenciado por uma empresa Portuguesa, com um contrato Português, fazer uma coisa em que não estou confortável por falta de experiência, por um valor que neste momento não posso garantir que me satisfaça, uma vez que ainda não recebi o primeiro ordenado líquido.
Eu sei, sou maluco. Já tinha idade para ter juízo, mas não tenho.
Vim com um contrato de 3 meses, embora, no mínimo, conte ir passar o Natal a casa. A minha expectativa inicial era ir a casa ao fim de um mês, mas não estou muito convencido de que isso vá ocorrer.
Aconteceu tudo muito depressa, desde a proposta até aterrar em Eindhoven, a bordo de um avião da Ryan Air (a pior experiência de voo de todas as que fiz nos últimos anos). Entregaram-me uma magnífica mala de ferramentas de electricista, um carro para me deslocar para a fábrica, e um pardieiro para dormir.
A primeira semana foi de adaptação. Nesta imagem temos o nascer do dia visto das traseiras da casa onde ainda estou, tomada já no Sábado, que dediquei às limpezas e arrumações.
Na segunda-feira, dia 25 de Outubro, apresentei-me às 6h45 na fábrica, onde fui recebido por um recepcionista austero, mal encarado, embora educado. Tive que fazer uma indução de segurança num computador logo na portaria, com dois testes para ver se tinha percebido. Passei, vá.
Depois entregaram-me um "cover all" (um fato-macaco puro e duro), umas luvas e um estupendo capacete de escafandrista para poder respirar dentro do edifício da fábrica, onde decorrerá parte do meu trabalho.
O trabalho decorre das 7h às 3h30, com saída às 4h00. Essa meia-hora final é para "house keeping" e é absolutamente respeitada. Há uma pausa entre as 9h00 e as 9h30 e outra entre as 13h00 e as 13h30. O que sinto é que o almoço é já quase o final do dia. Depois do almoço já só trabalhamos 2 horas e depois é arrumar a ferramenta e limpar o lixo.
A casa onde me colocaram está a quase 60km da fábrica, o que na Holanda, mesmo com auto-estradas, significa uma hora para ir e entre 1h15 e 2h para regressar. O trânsito aqui é muito intenso, embora não caótico.
Posso desde já dizer que os Holandeses são uns animais ao volante. O limite nas auto-estradas é 100 km/h, mas se circularmos a 90 já nos fazem sinais de luzes ou buzinam. Se abrandamos na cidade para dar passagem a ciclistas (que são infinitos e vêm de todas as direcções), ouve-se logo uma buzina. Os Portugueses, em média, conduzem mal e provocam demasiados acidentes, mas em agressividade ao volante, estes tipos dão 15 a 0 a qualquer latino. São simplesmente umas bestas.
O meu trabalho na fábrica é de electricista, embora eu não tenha dito a ninguém que sou isso porque não gosto de mentir. Quando me perguntam o que sou eu, digo que "I came here as an electrician", o que é diferente de dizer que sou um, mas eles não se incomodam com os meus pruridos profissionais.
O facto é que até agora tenho dado conta do recado. Já fiz duas cagadas, qualquer delas corrigível.
Quando me apresentam uma coisa nova, que nunca tenha feito, vou fazendo uma perguntas e, em geral, acabo por lá chegar sem que alguém perceba que eu nunca fiz tal coisa. Um "multipotentialite" parece sempre saber mais do que sabe :-) (mas por vezes é verdadeiramente stressante).
De resto, um dos principais objectivos desta excursão tão aventurosa é justamente aprender o que me falta para poder envergar o chapéu de electricista industrial no futuro, já que o de Engenheiro, pelo menos em Portugal, não rende mais do que qualquer outro mais indiferenciado.
O final do dia de Sábado, 30 de Outubro, o tal dia que dediquei à limpeza, arrumação e transformação da casa.
A semana foi passando. Na casa estava eu e um outro trabalhador que está pela mesma empresa, mas a trabalhar noutro lugar. Fui limpando umas coisitas durante a semana, mas como gasto muito tempo em deslocações e ainda tenho que tratar da minha comida (incluindo o almoço que levo para a fábrica), não consegui fazer limpezas muito profundas. Consegui correr 2 dias, acho. Na sexta-feira, já com o fim-de-semana à porta, fui experimentar um muro de boulder que há aqui perto, a pouco mais de 4km. Soube-me super bem. Embora seja caro, será um luxo a que me vou dar permissão, talvez 2 vezes por semana. Veremos como corre o início da semana, para ver se lá vou outra vez terça feira.
Na quinta-feira à noite, o parceiro de casa foi-se embora de férias para Portugal. Teria, portanto, duas semanas de casa só para mim.
Foto tirada aqui perto numa das corridas da semana.
Finalmente, no Sábado, acordei às 6h30 da manhã (1h15 mais tarde do que durante a semana, já agora) e atirei-me à labuta de dar ordem ao pardieiro em que tinha vivido a primeira semana, ansiando pelo tempo em que poderia gozar a casa lavadinha sem mais presenças por aqui.
Quando estava na lavagem profunda do compartimento da retrete (nestes países, o duche e a retrete são sempre compartimentos separados), depois de já ter arrumado toda a cozinha e mais algumas coisas da sala, entram-me em casa duas pessoas e uma má notícia: afinal já não ficaria sozinho.
O tipo que entrou nem imagina a sorte que teve. Assim como entrou, voltou a sair. Eu fui entretanto correr 12kms e regressei para continuar a faxina. Lavei a cozinha, duas casas de banho, lavei a minha roupa da cama, troquei de colchão (em boa hora), aspirei a casa toda, deitei toneladas de lixo fora, arrumei coisas que estavam espalhadas por todo o lado dentro dos armários, reorganizei a mobília, escondi palermices que aqui andavam aos tropeções e, finalmente, lavei os inúmeros e gigantescos vidros cá de casa, que nem deixavam ver a rua. Nesta última tarefa, o novo inquilino já me ajudou. A casa ficou outra. Fiquei mesmo com pena de não a poder gozar sozinho durante as duas semanas que previra, mas é a vida.
Hoje, Domingo, fui correr logo de manhã e fui para um local diferente do que tenho ido. Fiz o conjunto de fotos que se seguem durante esse percurso.
Entretanto, passei por uma padaria dessas gourmet que há agora. Pensei lá voltar depois para arranjar um pão bom para o almoço de hoje e para levar sanduiches amanhã para a fábrica.
Depois do banho fui lá de carro e comprei um pão delicioso. Entretanto tinha posto roupa a lavar, por isso dei por ali uma volta e fiz mais umas fotos. É uma zona gira.
Este é um de dois cisnes que vieram ter comigo enquanto eu preparava uma foto, mas vinam mesmo para me filar. Acabei por lhe tirar esta foto. Até bufavam.
Quando finalmente a roupa ficou lavada, coloquei-a num estendal dentro de casa e fui até Delft. O GPS levou-me até ao centro da cidade, mas chovia que Deus a dava. Havia lá uma zona de estacionamento pago e eu estacionei à espera que a chuva abrandasse para poder ir buscar um talão de estacionamento. Quando isso finalmente foi possível, uns ciclistas disseram-me que eu de qualquer forma não podia ali estacionar (não sei bem porquê) e que o carro "scanner" tinha acabado de passar por ali, pelo que eu já teria uma multa para pagar. Merda.
A Holanda não é para indigentes. Leva-se multas por tudo e por nada, mesmo sem saber de onde vieram. Como raio era suposto eu descobrir que não podia estacionar ali se havia máquinas para pagar o talão e as instruções estavam todas em Holandês?
Acabei por abandonar o local, fui estacionar a uns 2km dali e regressei a pé, mas a chuva voltou e acabei completamente encharcado. Maldita a hora que fui para aquela cidade. Daqui para a frente, se fizer uns passeios, será, tanto quanto possível a zonas de natureza, em lugar de centros urbanos. Sou saloio, não estou adaptado à cidade.
Uma espécis de "Grand Place" que há em Delft. É tudo um bocado cenário em demasia. Daqueles lugares super para turista, onde tudo é caro e nada parece verdadeiramente real.
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