Mário Sá Carneiro por Mário Cesariny

>> quinta-feira, novembro 26, 2009

Esta veio via Fluir de Espumas e deixou-me abananado.
Se eu fosse músico, não descansava enquanto não escrevesse uma música para este poema.



Aqui fica a totalidade do poema. A mim, particularmente, impressiona-me o verso:
"Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios..."
De resto impressiona-me muito a figura de Mário Cesariny, o timbre da sua voz envelhecida, a mão direita, com a peruca em ar de chapéu, a mão esquerda, de cigarro abandonado, a praia meio descontextualizada, o mar.

Quási
Um pouco mais de sol - eu era brasa,
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe d'asa...
Se ao menos eu permanecesse àquem...

Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num baixo mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dôr! - quási vivido...

Quási o amor, quási o triunfo e a chama,
Quási o princípio e o fim - quási a expansão...
Mas na minh'alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!

De tudo houve um começo... e tudo errou...
- Ai a dôr de ser-quási, dor sem fim... -
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou...

Momentos d'alma que desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ansias que foram mas que não fixei...

Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...

Num impeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...

. . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . .

Um pouco mais de sol - e fôra brasa,
Um pouco mais de azul - e fôra além.
Para atingir, faltou-me um golpe d'asa...
Se ao menos eu permanecesse àquem...

Mário de Sá-Carneiro, in 'Dispersão'

2 comments:

Rui Silva 11/27/2009 8:31 da manhã  

ZM, vejo vezes sem conta este pequeno vídeo, e emociono-me sempre. Pelo poema, pelo Cesariny e a forma como o diz, pelo que os dois representaram e representam para este país, que praticamente os ignora.

Enfim, estamos num tempo e num lugar em que, vagueando, apenas encontramos indícios. E como diria o outro Poeta, é hora! É hora de ir em busca da nova Índia. A tal que "que não existe no espaço". E "em naus que são construídas daquilo que os sonhos são feitos…".

É verdadeiramente maravilhoso, o poema, e a forma como Cesariny o diz.

NS 12/01/2009 11:10 da manhã  

Sabes que há uma corrente intelectual que defende que os poemas nunca deviam ser musicados, apesar de darem óptimas letras, ou serem magníficos com música de fundo, essa corrente acha que os poemas são mais belos lidos à velocidade de cada um.

Estamos a falar duma corrente superintelectual que não é a minha.

Ainda assim, já me contentava em ouvi-lo citado pelo senhor da Antena 1 que cita poemas depois da meia-noite. Não é todos os dias, há alguns dias onde tem convidados, mas há dias em que confronta poemas com música (alterna). Eu dispensava as músicas porque o individuo diz os poemas da forma como os sinto.

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