Os distantes Açores

>> quinta-feira, dezembro 08, 2011

Aqui nos Açores é frequente ouvir os locais designarem os continentais por “portugueses” (eu estou incluído nessa categoria). Se pode parecer bizarra essa designação, com o tempo vai-se percebendo que os Açorianos não se sentem inteiramente Portugueses (agora sem aspas).
Há diversas razões que concorrem para fortalecer esse sentimento. Os “portugueses”, na generalidade, sabem muito pouco sobre os Açores e sobre o que é viver neste arquipélago. Aqui ficam algumas notas breves:
• Em primeiro lugar, grande parte dos “portugueses” não sabe bem quais são as ilhas dos Açores, nem em que grupo de encontram. Muitos não sabem sequer quantas são. Há muita gente que julga que Ponta Delgada ou a Horta são ilhas, outros não fazem a menor ideia de onde raio fica a Graciosa ou as Flores. Penso que há mais gente a ter dúvidas destas do que baralhado com a localização da Bragança ou de Beja.
• Outra coisa que muito pouca gente saberá é que este arquipélago, que tem 9 ilhas (já ficam a saber esta), tem apenas 3 hospitais. Sim, 3 hospitais. Só há hospital público na ilha Terceira, no Faial e em S. Miguel. Penso que S. Miguel tem ainda um hospital privado, mas públicos só há estes 3.
• Mesmo para os residentes, as passagens de avião para Lisboa custam frequentemente mais de 200€ por pessoa. É verdade que há umas passagens a 80€, mas só se apanham com 1 ano de antecedência. Tentem avaliar quanto custa a uma família como a minha (5 pessoas) deslocar-se uma vez por ano a Lisboa. Com esse número presente, equacionem a distância económica que separa estas ilhas do continente. Comparem esse número com o que gasta uma família de Vila Real a ir à capital do reino visitar uns parentes.
• Ao contrário do que muita gente pensa, os Açores não são um grupo de ilhas à vista umas das outras, que permita a ligação entre elas com carreiras tipo cacilheiro. Durante o Inverno, altura em que não há linhas regulares de barco, para passar da Terceira, onde moro, para a ilha mais próxima terei que despender na casa dos 150€, ida e volta de avião. Se juntar a família, vejam lá o que isso dá. Dava para ir de carro de Lisboa a Madrid, passar o fim de semana num hostal e entrar em diversos museus. Provavelmente ainda sobrava o suficiente para comer um “Chuletón” na Puerta del Sol.
• Entre as ilhas mais distantes do arquipélago – Santa Maria e Corvo – distam mais de 600km, que é justamente a distância de Lisboa a Madrid por estrada. Como imaginam, mesmo na altura do ano em que há barcos, não é possível ter ligações entre as ilhas que permita ir e voltar quando se queira. Nem sequer no grupo central, que tem 5 ilhas relativamente próximas (Terceira, S. Jorge, Pico, Faial e Graciosa), é possível ir passar o fim de semana à ilha do lado, a partir da Terceira ou da Graciosa.
• Os dois pontos que acabo de descrever implicam que na verdade os Açores são 9 ilhas muito isoladas, com apenas algumas excepções naquelas que são mesmo mais próximas entre si.
• As redes eléctricas das ilhas são todas redes isoladas. A electricidade de origem renovável de uma ilha, só pode ser utilizada nessa ilha. Mesmo assim, o arquipélago no seu todo usa já 28% de electricidade de origem renovável.
• O jornal Expresso, no qual sou viciado há décadas, chega cá no Sábado ao final da tarde ou, se a coisa correr mal, no Domingo. Embora o preço de capa seja igual ao do resto do país, todos os anexos são pagos. Os cadernos normais do Expresso estão incluídos no preço de capa, evidentemente, mas sempre que é oferecido algum anexo, seja um caderno extra, sejam DVDs, são pagos à parte por quem os pretenda. Curiosamente, no caso das colecções, o primeiro número é sempre gratuito, os restantes são pagos, mesmo que toda a colecção seja oferecida pelo jornal. Suponho que isto se passe em todos os outros jornais e publicações.
• É frequente irmos ao Continente – coisa que só existe em 3 das ilhas, se não me engano, e no caso da Terceira apenas desde que as marcas Modelo e Continente se fundiram – e não encontrarmos determinado produto comum, como por exemplo fraldas do tamanho x ou iogurtes simples da marca Continente. Neste momento o Simão anda a gastar umas fraldas do número abaixo das que devia porque simplesmente não havia o número dele no supermercado.
• Finalmente, uma coisa muito curiosa é que, dada a frequente inclemência do clima, toda a gente sabe onde encontrar informação detalhada sobre o tempo que vai fazer. Vive-se quase numa atmosfera Alpina, com mudanças de clima bruscas e violentas, mas com toda a gente a conhecer bem os prognósticos. Alguns cafés têm expostas impressões do prognóstico para os próximos dias, como nos Alpes. Aqui, uma velhota info-excluída pode perfeitamente saber como utilizar o Wind Guru ou os sites da Universidade para saber se há-de estender a roupa agora ou mais logo.

Isto pode parecer uma quantidade de banalidades, mas penso que pode ajudar os “portugueses” a saber o quanto custa manter estes calhaus povoados. Por vezes questiono-me se a República (como diria o Alberto João) se dá conta da mais valia dessa ocupação. Agora que se fala tanto na economia do mar, talvez fosse positivo reflectir-se um pouco sobre o sacrifício que fazem os Açorianos para se manterem por cá.

5 comments:

Camilo 12/08/2011 3:24 da tarde  

Muito bom o texto! Especialmente nesta altura que as pessoas criticam que nós Açorianos somos sempre beneficiados pelo IVA "reduzido" e pelas passagens mais baratas.
Se alguns dos meus amigos "Portugueses" lerem este texto vao sentir-se, no mínimo, mais pequeninos por estarem a parte do "nosso" mundo isolado.

Obrigado

CAP CRÉUS 12/08/2011 5:04 da tarde  

Então imagine-se quando em vez de haver os ferries rápidos e os roll on roll off apenas existia o Ponta Delgada, e em que quase nenhuma das ilhas tinha um cais para o Navio atracar (corvo, Graciosa Flores...) e tudo ia de barcaça para terra.
Aí sim era complicado, bastante mesmo.
Sou contra a pressa em que o progresso chegue às ilhas. Lindo serviço se fez em São Miguel com a via rápida que se encontra em construção.
Não queiram transformar os Açores numa Madeira, cheia de buracos e alcatrão.

Anónimo,  12/08/2011 6:21 da tarde  

Entre outros, referes dois pontos que são importantes, embora por motivos diferentes. Um, já no último parágrafo, é a referida economia do mar, uma fonte de receitas e de desenvolvimento que foi deixado um pouco ao acaso nas últimas três décadas, o que deu origem a oportunidades de desenvolvimento perdidas, não apenas no meio do atlântico norte, onde nos encontramos, mas sobretudo em Portugal no seu todo. Mas deixo isso para os especialistas, na esperança que consigam abrir os olhos aos nossos governantes.
Outro ponto que é indispensável quando se avalia o modo de vida nestas ilhas: os transportes e marítimos entre ilhas e aéreos entre Portugal Continental e as próprias ilhas. Esta é uma área da economia açoriana que, parece-me, tem sido mal conduzida pelos governos regionais (açorianos). Urge a necessidade de alterações profundas nas políticas de transporte entre ilhas e de/para o Lisboa/Porto. Medidas que beneficiem os residentes, contrariando a corrente que tem dominado até ao presente, onde os beneficiados têm sido os operadores. Penso que há lugar para todos, prestadores de serviço aéreo (público, refira-se) e residentes nas ilhas. O mesmo para o transporte aéreo entre ilhas.
Abraço

Anónimo,  12/08/2011 6:37 da tarde  

Já agora: http://www.youtube.com/watch?v=xSt5eGP4ofU

Rui Silva 12/09/2011 10:48 da manhã  

Tinha consciência de alguns dos factos relatados. De outros não. Seja como for, o parágrafo final é a questão mais relevante para nós, deste lado do mar. Não creio que os poderes da República tenham plena consciência do que é viver-se no meio do Atlântico.

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