A mota e o carro do Mota Soares
>> segunda-feira, dezembro 05, 2011
Há sensivelmente um par de anos, quando participei na meia-maratona de Lisboa que viria a estabelecer o meu record pessoal nesta distância, como etapa de treino para a maratona de Nova Iorque, conheci pessoalmente o actual ministro Pedro Mota Soares. Bom, não posso dizer que conheci, mas sim que contactei pessoalmente.
Eu costumo inscrever-me nas provas pelo clube do Stress, e costumava treinar e competir com um amigo e vizinho, na altura deputado do PS, que foi quem levou o Mota Soares para esse mesmo clube. Nessa ocasião o Mota Soares ficou de levar para o local do encontro, no Parque das Nações, o meu dorsal e o desse meu amigo e companheiro de corridas. Lembro-me que chegou com um atraso considerável, fazendo-se transportar na sua famosa lambreta. "Olá, bom dia, passa para cá o dorsal, tive gosto".
Fomos de autocarro até à partida, e o pouco que conversei com o sujeito deixou-me uma boa impressão, embora eu não partilhe a sua área política.
Quando li nas notícias que o ministro Mota Soares tinha ido para a tomada de posse de lambreta lembrei-me do dia em que travei com ele contacto pessoal e de como já então ele utilizava esse meio de transporte. Claro que essa atitude tem alguma coisa de irreverência, de tomada de posição, mas achei isso muito positivo e pareceu-me encaixar na ideia com que fiquei de que era uma pessoa com poucas peneiras. Pessoalmente, esse gesto, que evidentemente tem significado, pareceu-me sincero. Não o interpretei como demagógico, como fizeram alguns opinion makers. A verdade, que eu posso confirmar, é que muito antes de o homem ser ministro, já se fazia transportar naquele veículo de duas rodas.
Quando agora vejo a reacção à questão do carro dispendioso, fico surpreendido e acho que essa crítica é mesmo injusta, considerando a personagem em causa.
Durante bastantes anos desloquei-me igualmente de mota para o trabalho, mas no dia em que a empresa em que estava me ofereceu viatura de serviço coloquei a mota à venda e passei a deslocar-me de carro. Parece-me uma escolha evidente. Entre um carro pago por alguém e uma mota paga por mim, não hesito.
Já a questão do preço do veículo, numa altura em que há gente cujos rendimentos não permitem sequer sobreviver sem passar fome, é evidente que é um exagero, mas isso não é objectivamente culpa deste membro do governo.
O ataque que se tem feito à escolha do veículo em causa parece-me manifestamente demagógico e populista.
Esta é uma matéria que merece uma profunda reflexão. Na minha opinião os membros do governo, que obviamente não deverão andar de lambreta, excepto se essa for a sua escolha pessoal, deverão utilizar veículos ao nível da dignidade das suas funções. Não me chocaria que andassem todos de VW Golf, por exemplo. Não me parece imprescindível que ande toda a gente de Audi A7 a gasolina.
Este pode ser um episódio interessante para despoletar esta discussão, mas o ataque concreto ao ministro Mota Soares com o pretexto da sua troca de viatura de uma singela lambreta para um Audi A7, é injusto e motivado, como habitualmente, pela inveja e maledicência.
Não chegaremos a lado nenhum enquanto os argumentos com que defendemos as nossas posições forem baseados neste tipo de sentimentos.
Fora isso, parece-me salutar que um membro do governo se dirija à tomada de posse numa lambreta e a essa atitude eu continuo a tirar o meu chapéu, confirmando a boa impressão com que fiquei deste político desde o dia em que o conheci. Tomara que faça escola e que empurre outros políticos a sacudirem a poeira dos seus fatinhos e deixarem-se de formalismos bacocos.
13 comments:
parece-me q a questão aqui é ser um carro de 86 mil euros. a desculpa q estava encomendado pelo governo anterior é fajuta.
estamos a falar de um ministro.
acho ridículo porem-se a falar de cortes e sei lá mais o quê e depois "ah só havia um audi A7, eu nem queria", "ah, foi o governo anterior q encomendou, tss, nem sei como se cancelam estas coisas..."
acho q deve haver viaturas oficiais para cerimónias oficiais. n entendo pq é que "a dignidade das suas funções" tem q exigir um carro, pq é que há tantos carros e motoristas que consomem MUITO dinheiro do orçamento. até parece que quem anda de autocarro não tem funções dignas, é? (eu sei q n pensas assim :))
tenho pena q ele n tenha mantido a vespa, preferia q o ministério lhe pagasse a gasolina. por aqui o david cameron quer q o governo inglês inteiro ande de metro para poupar tempo e dinheiro. diz q ele usa todos os dias.
"Entre um carro pago por alguém e uma mota paga por mim, não hesito."
a questão que se põe aqui é: quem é que paga o carro?
se for o meu patrão com o dinheiro que ele ganha; parece-me lindamente que ofereça carros a todos os empregados.
o problema é que o dito bom samaritano tem um carro que lhe foi 'oferecido' por todos nós e pago com os meus/nossos descontos para o estado. aí e nesta situação a coisa muda de figura, principalmente quando esse carro tem um valor muito acima das minhas/nossas possibilidade.
"O ataque que se tem feito à escolha do veículo em causa parece-me manifestamente demagógico e populista."
eu diria que um membro do governo andar num carro que nos custa aquele dinheiro é no mínimo obsceno.
"Na minha opinião os membros do governo, que obviamente não deverão andar de lambreta, excepto se essa for a sua escolha pessoal, deverão utilizar veículos ao nível da dignidade das suas funções"
'acrescento'; desde que não se utilize o dinheiro da 'comunidade' com fins que não tragam nenhum beneficio (diria mesmo dignidade) para quem lhes paga o carro. o que obviamente não é o caso!
"Não chegaremos a lado nenhum enquanto os argumentos com que defendemos as nossas posições forem baseados neste tipo de sentimentos."
exactamente; venha o carro, que se lixe quem o paga. a mim foi-me dado, nem me interessa se foi roubado!
estes sim, são bons sentimentos!
mas, há o reverso da medalha. o rapazito foi eleito democraticamente como tal está a representar uma maioria e a agir de acordo com os valores em que as pessoas que votaram nele acreditam. logo ...
Sushi: o que eu pergunto é se aquele carro é particularmente caro no contexto dos carros do governo. É? Mantenho que este é um excelente pretexto para se discutir e ajustar o nível dos carros do governo, mas é injusto que tenham usado o exemplo do ministro que foi de lambreta à tomada de posse e que já antes a usava habitualmente.
Anónimo: o que me desagrada na argumentação popular é essa ideia de que o homem é ministro mas não vale mais do que eu, se sou eu quem lhe paga o carro, ele não pode ter mais do que o carro que eu tenho. Eu não tenho essa visão. Pessoalmente tenho um Panda e ando lá dentro com a mulher e 3 filhos, mas não me sinto ofendido por os membros do governo cujos carros eu ajudo a pagar andem em Mercedes ou Audis. Repito: o assunto merece discussão, mas não baseado neste tipo de ideia popular.
ZM
Zé Maria
Gostei do teu texto e tem quase tudo o que penso do assunto. Principalmente que o assunto do "tecto" do valor dos carros devia ser discutido.
Como este teu último comentário, concordo que a questão não passa por achar que andam com carros pagos por nós... isso andarão sempre. Mas sim se precisam de carros tão caros para se deslocarem nas suas funções. A mim sempre me pareceu que devia ser imposto um tecto muito razoável para veículos do Estado, em valor por volta dos 30 mil Euros? E alugar-se episodicamente veículos para ocasiões especiais como visitas de estado. Mas mais do que isso devíamos utilizar veículos construídos em Portugal, já que não temos uma marca nacional.
Mas mais importante neste caso, não me parece relevante comentários sem nenhuma lógica a não ser a de atacar sempre o político que é malandro mesmo sem conhecer o individuo e o processo em questão. Mas mesmo assim acho que por coerência com a sua trajectória antes de ser Ministro, podia ter rejeitado o carro e ver se havia outro disponível.
Um abraço
Pedro Caldeira
Zé, eu concordo contigo se/quando:
a) Quem ataca o ministro por causa do carro não o faça pelas razões que são as verdadeiramente importantes. Quero dizer, será populismo e demagogia avaliar o tema do carro per si, para depois ignorar os imensos cortes sociais que têm sido decididos por este governo, o desapoio aos desempregados, que associado a políticas assumida e propositadamente regressivas não auguram nada de bom;
b) Esta pornográfica atribuição de viatura oficial (não é dele, é de uso do ministério, e isso é naturalmente relevante!) não acontecesse relativamente a quem tanto atacou os beneficiários do RSI, na generalidade dos casos gente MUITO pobre e não "pessoas que não querem trabalhar". Note-se que a generalidade dos beneficiários do RSI são:
- idosos/pensionistas
- crianças
- trabalhadores TPCO, com rendimentos que não lhes permitem sustentar-se e sustentar as famílias.
Naturalmente que o assunto de carro é um fait-diver. Naturalmente que o que importa verdadeiramente são as políticas do governo, até mais do que o ministro em si, ou as suas regalias associadas ao cargo.
Seja como for é simbólico. Como simbólico é a decisão incompreensível de atribuir carro, motorista, gabinete com staff de apoio ao ex-Presidente da AR, Mota Amaral.
Como sabes não sou adepto dos formalismos. Os deputados que me representam até tendem a não usar gravata e deslocam-se de transportes públicos, não beneficiam em rigor NADA de serem eleitos (uma vez que o seu rendimento é aquele que tinham antes de entrar para o Parlamento, seja para baixo, seja para cima).
Agora, sou ainda menos adepto de hipocrisias. O ministro da lambreta que agora anda de Audi é, simbolicamente, a ilustração do vazio e da demagogia das promessas eleitorais do grupo política a que se encontra associado. Olha, na questão do "elevador social", por exemplo.
Abraço, daqui para aí
Vasco
Zé, acrescento apenas que chocante mesmo, no plano do aproveitamento de cargos públicos por parte da 'troika' nacional, é isto:
http://jornal.publico.pt/noticia/06-12-2011/administradores-hospitalares-ligados-ao-ps-substituidos-por-gestores-do-psd-e-cds-23562486.htm
"Administradores hospitalares ligados ao PS substituídos por gestores do PSD e CDS | Ministério assegura que selecção de dirigentes por concurso apenas se aplica a institutos públicos e direcções-gerais. "Partidos exercem pressão enorme", afirma António Serrano".
não é uma ideia popular, nem pouco me importa se ela vai mais ou menos do que eu; é a democracia que tanto gostamos. somos todos iguais. votamos o mesmo. valemos o mesmo.
quanto ao problema do carro; a questão não é o carro dele ser melhor do que o meu. a questão é que ele esta a utilizar um carro acima das nossas possibilidades.
se ele pegar no seu ordenado e comprar um carro (como comprou a dita lambreta) se calhar não consegue ter um igual. se for esse o caso --- porque raio pode o fazer com o dinheiro dos contribuintes?
isto é só uma questão de populismo é uma questão de bom senso!
Relativamente a este assunto só me vem à cabeça três palavras: POLEIRO, OSTENTAÇÃO, HIPOCRISIA.
Continuamos na nossa linha muito portuguesinha de comparação de pilinhas. "Quanto maior (melhor) o teu carro, maior o respeito que todos têm por ti!"
E já agora, desde quando a dignidade de uma profissão está relacionada com a cilindrada?
Paulo Roxo
Roxo, eu aceito que se ponha tudo isso em causa, que se discuta até que ponto o governo pode ter os luxos que tem, mas não é particularmente o carro do Mota Soares, é só isso que eu digo.
Se formos tão longe como pretendes ir (embora pessoalmente não concorde com isso), teremos inevitavelmente que questionar até o edifício do parlamento ou dos ministérios do Terreiro do Paço. É aí que eu acho que derrapamos para a demagogia.
Na minha modesta opinião os membros do governo podiam ter carros menos luxuosos, mas eu reconheço-lhes o direito a terem carro pago pelos meus impostos. Como já disse, eu ando de Fiat Panda. Não tenho guita para mais. Estou à vontade nessa matéria. Só que a mim não me causa grande transtorno saber que o ministro da Solidariedade tem uma "pila" maior do que a minha.
Zé,
Acho que agora estás um bocado insensível aos argumentos alheios.
Não é de um campeonato de "pilas" que se trata. É de verificar que aqueles que apontam o dedo a quem nada tem (e este ministro pertence a uma formação política que se distinguiu pela forma como apontou o dedo a beneficiários do RSI, por exemplo, e que até cortou mais de 300 mil euros nesse subsídio) não aplicam a mesma bitola em causa própria.
Seja como for, concordo contigo: o assunto do carro é mais anedota do que outra coisa, e até desvia atenções do essencial. Olha, do aumento de mais de 100% na taxa moderadora da urgência hospitalar, por exemplo.
A mim não me interessa o carro em que Pedro Mota Soares se desloca, apesar de partilhar da opinião do Zé acerca da relação homem/lambreta que tem caracterizado o actual ministro.
O que está em causa não é a viatura colocada à disposição de Pedro Mota Soares, mas sim à disposição do Ministro da Segurança Social, seja ele quem for. A única coisa que exijo, apesar de não ter contribuído com o meu voto para o governo que ele integra, é que ele seja competente, honesto e digne o cargo que detém.
Um abraço Zé.
- m
Concordo perfeitamente que a historia do "carrito" do Mota Soares seja algo quase irrelevante no panorama actual nacional (embora considere que MUITOS carros daquele gabarito usados pelo estado sejam já um problema a considerar). Estava no fundo a dar mais uma achega ao assunto levantado por ti.
Por outro lado, também acho que existem coisas bem mais importantes nesta vida do que andar permanentemente preocupado com as acções do bando de chupistas, ladrões e aldrabões que nos têm governado há muitos anos.
Pensando bem, até creio que na verdade, o governo actual é um mero fantoche daquele casalito formado pelo baixote resmungão Francês e pela arrogante e assexuada Alemã... mas isso é outra historia e já estou a divagar... perdoem-me.
Paulo Roxo
onde é que está a dignidade em deslocar-se num veículo topo de gama quando o resto do País anda a contar tostões?
Ana
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