Ainda a "quente", aqui fica uma breve descrição do que foi o percurso de ontem, de Porto Martins à Serreta.
Acordei às 5:00h da manhã, noite cerrada, comi flocos de aveia com leite, meti no carro tudo o que já tinha preparado de véspera e siga.
Apanhei o Miguel na Praia uns minutos antes das 6:30h, e seguimos para Porto Martins, onde já me esperava o Magalhães, que foi a única pessoa que aceitou corajosamente acompanhar-me nesta aventura. O Magalhães, ao contrário de mim, não tinha treinado especificamente para esta actividade, nem sabia concretamente o que o esperava, embora seja um corredor muito forte.
Iniciámos a corrida por volta das 6:40h, percorrendo calmamente a marginal de Porto Martins, até entrarmos na Canada do Serra. Estes primeiros quilómetros revestiram-se de alguma ansiedade, pelo menos para mim que sabia bem o que tinha pela frente. A palavra de ordem, durante os primeiros 20km é poupar. É preciso poupar tudo ao máximo. Por muito que as pernas e o entusiasmo nos peçam velocidade, o que está para a frente exige-nos que travemos. Mesmo assim, fomos mais rápidos do que eu previra. Pomo-nos à conversa e quando damos por ela já vamos mais rápido do que a estratégia deste tipo de percurso exige.
Encontrámos o nosso apoio no local combinado, enchemos as garrafas de isostar e ala, até à Agualva. Nesta secção devemos ter sido particularmente rápidos, porque quando chegámos à Igreja da Agualva, não tínhamos ainda o apoio à espera. Aproveitei para beber o café da manhã, trocámos de ténis (porque a secção seguinte era muito trail e muito encharcada), recuperámos ali uns minutos e vamos embora. Até aqui tínhamos feito pouco mais de meia maratona, caminhando nas subidas mais empinadas. Estávamos com pouco mais de 2 horas, incluindo as paragens.
À entrada da Agualva, tive umas dores na parte de trás do joelho esquerdo, mas com a paragem e a mudança de terreno que se seguiu, passou completamente e não voltou a dar sinal até ao fim do percurso.
A subida da estrada até à base do Pico Alto tem um grande desnivel, pelo que tivémos que passar à marcha sucessivas vezes. Finalmente, entrámos completamente no mato para o troço mais complicado em termos de terreno, o trilho que sobe da base do Pico Alto ao ombro de onde se avista a Rocha do Chambre. Este trilho está completamente fechado pela vegetação e é relativamente difícil de encontrar à medida que avançamos. Quem não conheça o percurso facilmente desiste por não encontrar o trilho. O terreno é muito encharcado, com muito declive, coberto de vegetação, mas acabámos por chegar ao planalto de onde já se avista o resto da ilha para Oeste e este foi o momento de maior prazer do percurso. Desde este planalto há uma descida longa, muito suave, em terreno de montanha, que leva até à Caldeira da Rocha do Chambre. Correr este troço, só por si, valeu todo o esforço do resto da corrida. Nesta altura já teríamos cerca de 35km nas pernas. Quando chegámos à estrada de terra que leva à Bagacina, senti-me muito positivo e com muita vontade de continuar. Claro que as pernas já iam dando claros sinais de fadiga, mas o que pior já estava feito.
Deste ponto até à subida final para a Lagoinha da Serreta fomos sendo acompanhados pelo Miguel, já corri sem mochila e o percurso desce um bom bocado, atravessando a floresta que cobre a área Norte da Serra de Santa Bárbara. Íamos fazendo as subidas a passo e as rectas e descidas em corrida entre os 6:30/km e os 5:15/km, mais coisa menos coisa. O cansaço era já muito evidente, com algumas dores nas pernas, mas cada vez mais motivados com a proximidade do pórtico da meta.
Finalmente, já com mais do que uma maratona nas pernas, temos a subida para a Lagoinha da Serreta, uma rampa de terra batida com um declive radical, que terá cerca de 1km ou pouco mais de distância. Foi o castigo final.
Chegados ao alto desta estrada, a cerca de 760m de altitude, já só faltava rebolar até ao santuário da Senhora dos Milagres, mas o meu companheiro de diáspora já não conseguia correr a descer. Neste tipo de percurso, mais do que tudo conta a habituação a longas distâncias e isso ele não tinha.
Lá fomos descendo a passo, até chegarmos ao alcatrão, onde voltámos a correr.
Entrei na Serreta a rir às gargalhadas, como me acontece sempre.
Passadas quase 24 horas estou fino, sem grandes dores, sem um andar novo, sem mazelas.
Corremos mais de 53km, durante 6:45h, incluindo as paragens, subindo mais de 1800m (de acordo com o relógio).
Foi a minha mais longa corrida de todos os tempos e só posso dizer que, em lugar de me saciar, inflamou-me o vício. Neste momento já começo a pensar na próxima.
Uma última nota final: inventar um objectivo duro, na corrida ou noutra coisa qualquer, investir nesse projecto e finalmente alcança-lo é uma coisa que toda a gente devia ir fazendo com regularidade ao longo da vida. Enche-nos de satisfação e fortalece-nos.
Um grande obrigado ao Miguel, sem o qual esta aventura tinha sido praticamente impossível.
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