A nova era (e a consequente ameaça ao estado)
>> terça-feira, junho 24, 2014
Há dias discutimos cá em casa a notícia sobre a resistência que os taxistas estão a levantar à aplicação Uber. Para quem não saiba do que se trata, podem ler uma boa descrição aqui.
Este é apenas mais um episódio numa lógica que tem vindo a crescer e que é a de os cidadãos se organizarem e partilharem serviços que anteriormente apenas eram disponibilizados por profissionais. Isso acontece em inúmeras áreas, como as boleias partilhadas, o arrendamento de casas para férias, os passeios turísticos guiados, etc.
Andemos um pouco para trás. Antes do nosso actual funcionamento ligados em nuvem todos nós já tínhamos beneficiado de uma casa de férias de alguém amigo, a quem pagámos essencialmente as despesas, ou de uma boleia organizada, normalmente com amigos ou conhecidos que se dirigiam ao mesmo local ou evento do que nós, na qual também partilhávamos despesas de deslocação. Os taxistas nunca se manifestaram contra isso. O "problema" é que agora passámos a fazê-lo com desconhecidos, entrando na esfera de concorrência do serviço profissional por eles prestado.
Pergunto-me em primeiro lugar se haverá forma legal de impedir que cidadãos anónimos se organizem, através de redes sociais ou sites dedicados, para partilharem despesas, porque é disso que se trata. Por exemplo, no site Bla Bla Car (no qual eu próprio estou já registado), o preço de uma viagem de Lisboa para o Porto de automóvel, pela autoestrada, é de 15 a 20€ por pessoa. Se fizermos as contas, um carro que leve 3 passageiros (além do condutor e proprietário do carro), não dá lucro a quem fornece o serviço, por isso isto não é propriamente um negócio, é de facto um sistema organizado de partilha de despesas. Suponho que não seja possível o estado meter aqui prego nem estopa.
No caso do Uber, estaremos mais próximo de uma concorrência real ao serviço de taxis, mas ainda assim ninguém ficará rico a disponibilizar boleias dentro das cidades através desta aplicação. O reverso da medalha é que, de facto, o estado poderá vir a perder receita fiscal caso o mercado dos táxis venha a encolher como consequência do aparecimento deste serviço online. E eu acredito que vem por aí muito mais do que o Uber, o Bla Bla Car, os inúmeros sites de arrendamento de casa, e por aí fora.
Nem de propósito, tropecei hoje nesta apresentação de Clay Shirky, que nos fala de como as comunidades cooperativas estão a ganhar força e eficácia, podendo vir a influenciar até a forma como fazemos leis e governamos um país.
Dir-se-ia que os cidadãos se estão a organizar, substituindo funções que estavam anteriormente atribuídas a grupos profissionais ou a departamentos do estado de uma forma menos centrada no lucro ou mais democrática. Isto faz emergir problemas que são novos e que ameaçam de alguma forma a sustentabilidade do próprio estado. Suponho que, pelo menos num curto prazo, ninguém esteja à espera que as grandes infraestruturas estatais possam ser substituídas por cidadãos organizados sobre plataformas de comunicação electrónica. No entanto, a tendência parece ser a de o estado perder realmente receita por via dessa organização informal, embora também possa vir a perder despesa se de facto houver funções hoje estatais que passem a ser disponibilizadas por cidadãos. Acredito que a balança se equilibrará naturalmente, mas temos pela frente um período de ameaça ao status quo.
O que é que eu faria se fosse taxista? Se calhar começava já por aderir ao Uber. Mas reconheço-lhes o direito a recearem o futuro do seu negócio.
Eu acho, sinceramente, que o futuro vai ser francamente divertido.