Umas curtas férias de fim-de-ano, permitiram-nos entregar as crianças (todas!) aos avós, dando-nos uns preciosos dias a dois, que é coisa que nos sabe a mel (literalmente) nas raríssimas ocasiões em que acontece.
Tentamos sempre aproveitar para fazer os nossos jantares românticos e para umas incursões (anuais) ao cinema.
Ontem foi um desses dias: comprámos os bilhetes para o Interstellar (que filme fabuloso, o melhor do ano, a dois dias deste terminar) e fomos depois ao nosso culto de Cascais - o Manolo dos frangos, onde já vamos desde namorados, há quase 2 décadas -, meio frango para cada um, empurrado por uma imperial, uma salada mista à la Manolo, eis um pequeno e ainda acessível prazer que qualquer um pode gozar.
Regressados ao ambiente plástico dos cinemas Nos do Cascais Shopping, entregámos os bilhetes e disseram-nos que teríamos que aguardar porque estavam a efectuar a limpeza da sala. A primeira ideia que surge é a de que alguém se sentiu mal no cinema e vomitou a cadeira ou teve um ataque agudo de caspa grossa, obrigando à intervenção da brigada do aspirador. Faltavam ainda umas horas para que percebêssemos a necessidade da tal limpeza...
Enquanto esperávamos, e depois de termos pago com alguma resistência os 13€ que custam as duas entradas no cinema actualmente, reparámos que para a generalidade das pessoas esse custo não será muito elevado, pois que o majoram com o custo dos "pacotes" de pipocas e Pepsi que TODOS adquirem, como se não fosse possível ver um filme sem tal acessório.
Já na sala, comentávamos impressionados (coisas de quem, com 3 filhos pequenos, raramente vai ao cinema propriamente dito) a quantidade de gente (a quase totalidade) que entrava com baldes de 3L de pipocas e dois gigantescos copos (baldes) de Pepsi. Pergunto-me se em casa farão a mesma coisa e deixo de me espantar com a publicidade à Nutribalance.
Entretanto, chega a hora do início do filme e, para nossa surpresa, começa um festival de publicidade que levaria quase meia-hora a terminar. Ir ao cinema nos dias que correm é um exercício de paciência.
Finalmente, bastante tempo depois da hora marcada, começa um dos melhores filmes que vi na vida e seguramente o melhor do ano: Interstelar. É um filme com muitas leituras, mas que me tocou em diversos pontos particularmente sensíveis: desde a questão do que estamos a fazer ao planeta e a previsão de como acabaremos todos inevitavelmente por deixar de ter com que nos alimentar, até à questão do amor como força única que atravessa qualquer dimensão, incluíndo o tempo e o espaço, passando pela ideia de que nós podemos, afinal, ser mesmo aqueles de quem temos estado à espera, considerando que podemos estar a tentar consertar coisas a partir de um futuro onde poderemos já estar simultaneamente. É um filme que vale a pena ver com muita atenção e que, para variar, me emocionou a um ponto que me deixou embaraçado quando subitamente se acenderam as luzes para um intervalo que me pareceu desajustado e fora do tempo. Mas ainda não acabaram com isso?
Não, não acabaram, principalmente porque a horda de animais que ocupava a restante plateia saltou como se tivessem carregado no "Eject" para irem adquirir mais pipocas e mais Pepsi. Eu comentei com a Raquel que deviam ir buscar sacos de enjoo, porque despachar um balde de 3L de pipocas em meio filme não pode ter outro resultado.
Afinal, quando a segunda parte começou, eles regressaram apenas com mais pipocas, como se tivessem estômagos tão vorazes como o buraco negro que aparece em destaque no filme.
Entretanto, ainda no início do filme, mas quando já tudo estava a rolar em velocidade de cruzeiro, tinha-nos aparecido uma família de brasileiros perguntando qual era a nossa fila e quais os nossos lugares, para concluírem que a sua fila (vinham atrasadíssimos) era a mesma, mas na ponta oposta. Felizmente optaram por ir dar a volta, chateando outros espectadores.
Resta-me dizer que, assim que o filme termina, ainda antes mesmo de surgirem as primeiras letras da ficha técnica, acendem-se as luzes e, mais uma vez, parece que alguém disparou alfinetes nos traseiros da generalidade da plateia: toda a gente se levanta de um salto e começam a despejar a sala, dando a entender que o que acabaram de presenciar não lhes disse mais do que qualquer episódio da Casa dos Segredos. Eu fiquei a questionar-me sobre o que os faz irem ao cinema.
Ficámos na sala até entrar de novo a brigada da limpeza e só nessa altura demos verdadeiramente conta da necessidade de tal equipa. Havia pipocas por todo o lado, cobrindo o chão e as cadeiras e havia também alguns copos de Pepsi derramados na alcatifa.
Saímos relativamente envergonhados, desejando uma boa noite aos pobres funcionários que teriam que repor a sala como estava antes.
Acho que percebi que, afinal, as pipocas e a Pepsi têm uma função social importante: manter pelo menos 4 postos de trabalho, a pessoa que as vende ao balcão e as 3 pessoas que têm que limpar a javardice que delas resulta.
Desculpem-me este longo desabafo, mas foi uma experiência que me tocou intensamente. Não me agrada a sensação de presunção que daí de corre, mas senti-me verdadeiramente a partilhar o cinema com uma vara de porcos. Uma vara de porcos que, além do mais, não me pareceu perceber metade (um décimo?) do que passou pelo ecrã.
Foi estranho...
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