Manuel Vicente, o novo bastonário da ordem dos arquitectos, terá dito algo semelhante a:
“Não quero é estar dentro de casa como se estivesse lá fora, como se o meu ideal de habitar fosse uma grande gaiola de vidro.”
“Tenho uns amigos que moram para os lados do Restelo; chega-se, pára-se o carro e vê-se o que se vê do Alto do Restelo. Depois entra-se em casa e quando se sobe as escadas tem-se outra vez o Alto do Restelo todo dentro da casa: na sala, na cozinha, na casa de banho, no quarto. Lembro-me que a primeira vez que lá fui, a primeira coisa que fiz, (mas espontaneamente, não foi para ser original), foi sentar-me de costas para a janela! Agora imagine-se que a casa tinha umas janelas quaisquer, do século XVIII, estreitinhas, com os tais panos a esvoaçar: depois de ter subido as escadas, ia às janelas para ver como se via o Restelo daquela casa! Porque, então, já seria uma vista do Restelo escolhida, seleccionada, orquestrada...”
Estas declarações foram publicadas no fórum de arquitectura e até podem não ser reais, mas o que interessa é o conteúdo.
Confesso que, no panorama actual da arquitectura moderna Portuguesa, cada vez me identifico mais com esta ideia.
A polémica das paredes de vidro de Mies Van Der Rohe aconteceu há cerca de 60 anos, mas talvez ainda não tenha cá chegado.
Há inúmeros exemplos de projectos recentes, de arquitectos portugueses, que utilizam paredes inteiras de vidro.
As paredes de uma casa servem para manter o calor lá dentro e a chuva fora, mas deixando sair a humidade. Os vãos servem para quatro funções: deixar entrar luz do dia, permitir que o sol aqueça determinadas áreas, arejar a casa (quando abertas) e trazer para dentro a vista do exterior. Paredes inteiras em vidro cumprem mal a função de paredes (uma vez que não acumulam calor, têm demasiado ganho solar durante o dia e demasiada perda térmica durante a noite) e também mal a função de vãos ou janelas. Em muitos projectos estas paredes têm dimensões tão exageradas que nem se podem abrir e dificilmente um ocupante desses espaços evitará grandes cortinas e ar condicionado.
É muito agradável ter vista para o exterior e ter muita luz natural, mas gigantescos panos de vidro no lugar das paredes tornam a casa simultaneamente demasiado nua e demasiado fechada. Nua porque os seus habitantes não têm como se defender de luz e vista não desejados e fechada porque não permitem arejamento nem "respiração".
Eu sou adepto de grandes vãos e vistas para o exterior, mas uma janela só existe se houver uma parede. A vista só existe se for enquadrada. Por vezes, como refere Siza, precisamos de penumbra e recolhimento.
Aqui ficam 2 exemplos de projectos recentes de arquitectos portugueses, no tão acarinhado Bom Sucesso. Alcino Soutinho e Álvaro Leite Siza Vieira, respectivamente.
PS: o Arrumário está de férias (como eventualmente se tem notado). Votaremos com entradas mais regulares a partir de 1 de Outubro.
ZM
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