LX 20.02.2006
>> quarta-feira, fevereiro 22, 2006
Foto by zm
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ZM
Arrumário era o nome que a pequena Madalena dava aos armários. Este blog é o arrumário electrónico das nossas experiências, emoções e ideias.
Na escalada em rocha as vias que escalamos são linhas concretas, equipadas para o efeito, baptizadas com um nome próprio e classificadas segundo uma escala de dificuldades que é subjectiva, empírica e aberta, mas que nos serve para tentarmos ultrapassar os nossos limites sucessivamente. Houve um tempo em que pensava que escalar 7a me chegava, mas agora que ando por lá já só penso no 7a+ ou no 7b (mais difíceis evidentemente). Ao contrário do surf, as nossas ondas são de rocha, mudam pouco ao longo do tempo e ficam como reptos eternos até que os resolvamos. Eu tinha um destes desafios, estacionado no Algarve, à minha espera, após algumas tentativas anteriores frustadas.
Este fim-de-semana, como resultado de um convite endereçado a algumas dezenas de escaladores, juntou-se um pequeno grupo de 11 resistentes à intempérie numa excursão ao Barrocal Algarvio, mais propriamente à falésia da Rocha da Pena. Era lá que eu tinha o tal espinho encravado no currículo.
A Rocha da Pena é um lugar que vale uma visita só por si. Para nós, que trepamos rochas, é um paraíso. O interior do Algarve é um primo afastado do outro Algarve, abandonado do lado de lá da serrania, mas é actualmente o único que vale os 16.30 Euros da portagem. Povoações como Salir, Alte, Benafim, valem mais do que Albufeira, Vilamoura e todos os Portimões juntos.
A falésia da Rocha da Pena dá-nos um olhar de pássaro sobre a paisagem algarvia, desde o tranquilo interior até à cosmopolita linha da costa. O silêncio é total e cheira a alfarroba, figos, amêndoas e plantas silvestres.
Logo no Sábado, depois de um aquecimento, e após ir buscar gelo ao café para por num tornozelo aleijado numa queda imprevisível, tentei a tal via que me andava atravessada há tantos anos.
O ritual que antecede a escalada de uma via que queremos encadear (escalar sem dar nenhuma queda) é quase religioso. Ligamo-nos à corda, e com isto ao nosso companheiro de escalada; calçamos as apertadíssimas botas; verificamos o saco de magnésio; revemos dentro da cabeça os movimentos que teremos que conseguir resolver; respiramos fundo e, com algum jeito, concentração e sorte, entramos no flow. O flow é um estado mental de absoluta concentração no problema que temos pela frente. Quando se consegue atingir o flow atinge-se o ponto mais alto da escalada em rocha, tornado-a extremamente gratificante. Parece que tudo se passa dentro da cabeça e parecemos planar sobre as minúsculas saliências da rocha, progredindo até ao topo da via como se não tivéssemos peso.
Desta vez, entrei profundamente no estado de flow e voei até ao top da via sem qualquer esforço aparente.
O grupo que se juntou este fim-de-semana foi um cocktail perfeito de pessoas diferentes. O resultado foi um dos mais divertidos e produtivos fins-de-semana de escalada dos últimos tempos.
Jantámos em Alte e tivémos de sobremesa uma divertida peça de teatro de borla. A assistência total eram 21 pessoas, das quais 8 eram o nosso grupo. O número total de actores era quase equivalente à assistência toda junta. É pena continuar a constatar que o povo português gosta mais de ver as trapalhadas da TVI do que saír de casa para qualquer outro programa. Em Espanha, a povoação de Alte sería mais um dos seus hiper turísticos Pueblos Blancos. A escassos quilómetros da costa, aquela é uma área tão bela quanto esquecida e abandonada. O que será de Portugal daqui a 50 anos?
As fotos não mostram lá muita escalada, mas foi o que se arranjou.
Se quiserem ler outras versões da história, consultem os blogs:
http://lojadoxines.blogspot.com/
http://v-duro.blogspot.com/
http://blogstrawberry.blogspot.com/
Se forem para aqueles lados, percam um dia de praia e vão visitar a zona de que falo. Não se arrependerão.
ZM
Nas falésias a poente da vila de Sesimbra a rocha tem uma cor muito atraente. A proximidade do mar faz deste local um palco privilegiado para a prática da escalada em rocha. Estivémos por lá neste Domingo.
Escalador: Luis Brandão
Foto by zm [ 1/206 - F6.8 - Crop+USM]
Escalador: Carlos Pereira
Foto by zm [1/82 - F5.2 - Crop+USM]
Boa semana.
ZM
Foto by zm - Mucifal, Sintra
Não gosto de casas mas gosto de janelas. Há qualquer coisa de sagrado numa janela, um altar primordial sobre os horizontes das possibilidades humanas, uma revelação que separa a luz das trevas. A janela representa uma conquista civilizacional, indica uma sociedade que alcançou segurança e paz, que honra os acordos territoriais estabelecidos com os vizinhos; e que confia num comportamento semelhante por parte desses vizinhos. Recordo de ter atravessado muitas povoações no Afeganistão cujas casas não possuíam o conceito de janela: uma abertura na parede não era um luxo, era um perigo. Imagino que os habitantes dessas casas não sentissem a falta de janelas, porque simplesmente não deviam pôr a questão de, um dia mais tarde, as colocar.
Uma janela tem, por definição, uma parede a emoldurá-la. A matéria e a sua ausência, a leveza e o peso contrapostos. Mas nem sempre a parede define a janela por oposição. Por vezes a parede e a respectiva janela podem concorrer para a mesma sensação de liberdade e movimento: é o caso da parede do compartimentos de um comboio, que atravessa campos de trigo soviético, que fura desfiladeiros andinos, que serpenteia pelas colinas etruscas que deram a cor, séculos mais tarda, à pintura mais serena do mundo: os frescos de Piero della Francesca. Uma janela pode ser a escotilha de um cargueiro, dar vista sobre aguaceiros equatoriais, sobre ondas preguiçosas que a proa do navio cruza em diagonal, sobre o cromatismo sonolento de contentores alinhados em busca de portos orientais.
Para lá da janela estende-se o mistério da paisagem. A casa encerra o espaço, a janela desvenda e oferece o mundo.
Texto de Gonçalo Cadilhe, na Única do Expresso de 04.02.2006
A julgar pelo tamanho de algumas janelas da arquitectura português suave, que se vê tanto por aí, há muita gente em Portugal que não está de bem com os vizinhos.
Uma das coisas mais irritantes são as janelas de vidro duplo com friso de plástico no interior, divididas aos quadradinhos, como se o vidro aínda fosse mais caro em grandes panos do que em minúsculas peças que enquadriculam a paisagem. É uma daquelas tradições que muitos cumprem sem se questionarem, mas que é profundamente absurda nos dias que correm.
ZM
Eu não disse pancada na cadeia. Não, não fui apanhado pela GNR a desrespeitar uma prioridade no trânsito e não levei a correspondente malha de caxaporra.
Acontece que a Desconhecida me pediu que me confessasse. Eu, que detesto confissões e correntes deste tipo, tenho um defeito muito grande: não consigo dizer não às pessoas (um já está), por isso cá vai (só faltam 4):
2 - Não suporto televisão durante o dia. A TV acesa antes do por do Sol deprime-me.
3 - Sento-me frequentemente em cima dos pés, sobretudo quando vou à secretária de outra pessoa resolver um problema. Assim evito sentir o calor da cadeira, mas já estraguei algumas.
4 - Abro compulsivamente a caixa do correio, mesmo que seja Domingo
5 - Não consigo caminhar devagar. Esgoto sempre a companhia quando "passeio" numa cidade estrangeira.
Já agora, que estou embalado, aqui fica um bónus:
6 - Odeio loiça por lavar na cozinha. Dificilmente me vou deitar sem antes lavar a loiça toda.
Não vou convidar ninguém a confessar-se, quebrando aqui a cadeia neste ramo. Mas também, sempre disse que detesto cadeias. Eventualmente a de Pinheiro da Cruz, pelo clima.
ZM
Um dos comentários ao último post diz:
"...quanto ao edifício objecto deste post, não sei bem onde lhe vês poesia. São formas de olhar e ver. Eu não gosto, acho um edifício "pesadão", mais parecendo uma cadeia."
Foi um comentário muito útil porque me fez pensar sobre o que me atrai neste edifício do Hestnes Ferreira.
Para começar, adoro as janelinhas (que não são tão pequenas como isso, mas parecem por causa da dimensão da fachada), mas disso falarei noutra ocasião. A outra coisa que me encanta são justamente as rampas e as passagens de um corpo para o outro.
A arquitectura no papel tem apenas 2 dimensões. As escadas e rampas acrescentam-lhe a dimensão z, a altura. Eu, que até sou um escalador viciado, adoro a altura. Talvez por isso me sinta tão atraído por edifícios com escadas, rampas e afins.
Estas imagens são da Ville Savoye, do Corbusier, e foram retiradas do site:
http://kandinsky.home.sapo.pt/savoye/savoye.htm
De resto, parece-me encontrar alguns elementos comuns entre esta "Ville" e as rampas do Hestnes Ferreira.
Estava eu a pensar em quanto me atrai o facto de poder mover-me em altura dentro dos edifícios quando encontro dentro da caixa do correio o último número da Arquitectura e Construção, onde aparece a reportagem fotográfica dos irmãos Fernando e Sérgio Guerra sobre a casa Toló, do Álvaro Siza Vieira Junior, também online no fabuloso site http://www.ultimasreportagens.com/.
Fiquei com a certeza de que as escadas são definitivamente um elemento que me atrai numa casa. Mais ásperas do que as rampas, permitem também usufruir do eixo dos zz's e elevar o nosso olhar sobre a paisagem. Fazem-nos ganhar altura e respirar melhor.
No caso da casa Toló, a própria casa é uma escada. Aliás uma dupla escadaria, uma interior, outra exterior. É uma cobra, fracturada, estendida sobre a encosta, ajeitando-se aos limites do terreno e à paisagem, como um bicho que se prepara para hibernar.
E esta, tem ou não poesia?
ZM
Já há algum tempo que queria ter ido ver com os meus olhos o "novo" edifício do ISCTE, projectado por Raúl Hestnes Ferreira. Na Sexta-feira passada tive essa oportunidade e dei lá um salto.
Julgava que já estava patente a exposição sobre este arquitecto, que afinal só vai ter início no dia 7 de Fevereiro.
Estas rampas que se encontram no grande volume de entrada deste edifício são absolutamente poéticas. O fluxo de pessoas entre pisos sugerido por estes planos é surpreendente e muito, muito belo.
São pontes que ligam os vários pisos, numa teia de colunas, e rampas que atravessam aquele imenso espaço, de uma forma impressionante.
Na ligação com a parte antiga (julgo que igualmente projectada por Hestnes Ferreira) atravessamos um túnel, com um rasgão mais baixo do que os nossos olhos. Baixando um pouco o ângulo de visão, temos esta vista magnífica sobre o resto do edifício, entrincheirada pelo tal rasgão. É um detalhe que escapa à maioria dos habitantes daquele espaço.
No edifício fronteiro, as rampas marcam também presença. Vêem-se simultaneamente os reflexos do novo edifício e as rampas interiores deste. É de uma beleza indescritível.
As pequeninas janelas, alinhadas de forma ordenada, com as suas pálpebras de betão, conferem um ritmo fantástico à fachada.
Uma imagem mais geral das mesmas janelas de há pouco, onde se pode apreciar o imenso pátio que os edifícios criaram.
A lente com que registei estas imagens é de uma compacta digital. Embora cheias de distorção e perspectiva, as fotos permitem apreciar a beleza deste corpo mais recente.
No dia 7 de Fevereiro vai começar uma exposição sobre a obra de Raúl Hestnes Ferreira, que durará até Abril. Penso que o local da exposição é justamente este edifício. Passem por lá e matam 2 coelhos de uma cajadada: ficam a conhecer toda a obra deste notável arquitecto e apreciam ao vivo este projecto tão interessante.
Para mais informações: http://www.iscte.pt/
Boa semana.
ZM
No Domingo passado, apesar do intenso frio, ou talvez por isso mesmo, fomos ali à Vila, visitar o Museu do Brinquedo. No momento em que terminámos a visita deu-se o apagão que marcou o início de um inesperado nevão que se acumulou no alto da Serra. Na Vila a chuva caía a cântaros, acompanhada de relâmpagos e muito, muito frio.
O Museu do Brinquedo, em Sintra, é um local muito fotogénico. Nem sei se se pode fotografar ou não, mas dá vontade de registar tudo e mais alguma coisa, mas...
... os brinquedos estão dispostos em montras de vidro, algumas delas altas demais para que possam ser vistas por crianças.
Tudo o que vemos está fora do alcance dos visitantes. Nada é passivel de ser tocado ou sentido.
É totalmente compreensível que uma colecção daquelas esteja preservada das mãos infantis desastradas e disparatadas, mas será que não se podia também ter zonas onde os brinquedos podessem ser usufruídos?
Actualmente tudo o que as crianças vêem é interactivo. Tudo tem movimento. Será que a opção de ter um museu que não é mais que uma imensa montra foi escolhida ou será fruto de falta de orçamento para coisas mais divertidas?
O Museu é, apesar disso, um local muito interessante, cheio de nostalgia e até de história, mas não é muito adequado para crianças (parece-me a mim, que tenho lá por casa um exemplar bastante activo).
Algumas das peças parecem ter servido de modelo ao pintor João Vaz de Carvalho, cujas pinturas sempre me transmitiram algum do sentimento de nostalgia infantil que se sente no Museu.
Não podiam lá faltar extensos exércitos de soldadinhos de chumbo. Por onde andará a bailarina? Nalgum barquinho de papel?
Há exércitos de todas as épocas.
Aqui temos uma verdadeira parada real.
Os gloriosos malucos das máquinas voadoras.
A mais fascinante marca de automóveis de todos os tempos. Desculpem-me os BMW'istas.
Este é dos tais que sairam de uma pintura do J.V.Carvalho.
À janela, esta espécie de cavalo-lama, observava o início de um histórico nevão.
Fica, uma vez mais, a recomendação: se for caso disso, passem por lá.
ZM
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