A aldeia da Ulgueira, perto do cabo da Roca, sempre me apaixonou. Fica um bocado "fora de mão" e por isso é muito tranquila e resguardada. Há um caminho que deixa a aldeia no lado Norte (de onde se avista uma das maiores aberrações de que há memória no Parque Natural, felizmente embargada mas incompreensivelmente ainda de pé), que leva até à zona da Adraga e também à praia da Ursa. Antes da tal ruína inacreditável há uma casa que me apaixona particularmente.
É uma casa relativamente pequena, que sempre me atraiu o olhar, mesmo antes de saber de quem era o projecto.
No livro Arquitectura em Lisboa e Sul de Portugal desde 1974, de Carsten Land, Klaus J. Hücking e Luiz Trigueiros, da Editorial Blau, aparecem umas pequenas plantas e uma foto da casa pouco depois de construida (em 1995), que aqui apresento, pedindo desde já desculpa aos autores do livro por não ter pedido formalmente autorização.
Foto de Luís Ferreira Alves
Passei várias vezes por ali a pé e sempre perdi um pouco a atenção no caminho, embasbacado que ficava com a simplicidade, beleza e integração deste edifício na paisagem. Em tempos morou lá uma família com uma criança e tenho que confessar que os invejava. O local onde se encontra é simultaneamente muito belo e muito agreste. Avista-se a costa atlântica desde o vale da Ursa até à Ericeira (em dias de bom tempo), no entanto imagino que a nortada típica da costa se faça sentir com intensidade, quando é caso disso.
Aqui fica outra imagem do mesmo livro, onde se pode ver o aspecto da vista que se tem do terraço do piso de cima:
Foto de Luís Ferreira Alves
Só mais tarde soube que os autores do projecto são Paula Santos e Rui Ramos e data de 1991, tendo sido construido em 1995.
A poente da casa principal está colocado um estúdio de pintura que compõe o conjunto de uma forma eventualmente discutível, mas que me parece harmoniosa. As janelas do alçado poente são todas portas: no piso térreo dão para o quintal, no piso superior dão para um terraço que corre todo o alçado. Têm portadas de madeira no interior e nada no exterior. No geral as linhas são muito simples e as áreas interiores relativamente pequenas. A cozinha é aberta para um espaço que deverá ser uma zona de refeições. Todo o interior parece ter muita madeira.
As próximas duas imagens são feitas por mim há dias e infelizmente contam a história de um abandono.
Por uma qualquer razão esta casa está abandonada há alguns anos e chegou a um estado de degradação que é comovente. Começa a ser engolida pela vegetação das vedações, os portões estão à banda e cobertos de ferrugem, o interior está ferido por falta de vida, com marcas de infiltrações e descuido.
Nunca compreenderei porque razão se abandona um edifício com estas características, sendo certo que no lugar onde está facilmente seria alugado por habitantes de ocasião, sendo muito mais fácil mantê-la em bom estado.
Habitar esta casa é seguramente um grande privilégio. No Verão será um prazer ver o por do Sol do terraço, bem como maravilhar-se ao final da tarde com a vista da Adraga, dos penedos da Ursa e de toda a restante costa para Norte. No Inverno será impressionante assistir à força dos elementos, protegido por aquela casa tão à medida, aquecida pelo fogo da sala.
Ver esta obra notável neste estado de degradação e abandono causa uma verdadeira tristeza. Se me saír o Euromilhões desta semana fica já dito que irei adquiri-la, recuperá-la e emprestá-la a quem queira lá ir apaixonar-se pela nossa belíssima costa Atlântica. Sempre que estiver desocupada, estarei lá eu próprio.
ZM
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